domingo, 11 de setembro de 2011

A filha da Chiquita Bacana (Germaninha)

Jorge Luiz da Silva Alves



      Feita a sangria, depurado o sangue ruim, a escolha acontecera: dois meses, quatrocentas entrevistas e quatro nomes escolhidos; prédio de má fama pela abundante fauna masculina que, voraz, consumira as finas flores do teleatendimento comercial – também facilitado por ervas daninhas no jardim em florada – e Germaninha conseguira seu sustento. Afinal, tudo nos ombros de Pitboy não dá, não é mesmo?

    Não custou muito para o estágio probatório. De Germaninha e da seção.

 Razoaldo, giannechinicamente empaletoado em peniana autoridade, surgiu do Departamento Jurídico, ansioso por recorde absoluto de virilidade entre os seus; driblando supervisões e microcâmeras, assomou-se da novilha, chantageando-a com reservas e jantares. Tomava-as sempre como coisa – e a coisa não era bem por aí, mas como Razoaldo sempre pontificara, o mundo é de Deus, e Ele é Pai – e, no atributo-maior de sua divina hierarquia, pôs o peso na balança e impôs as condições necessárias (com lupina lábia ) para promissora carreira. Germaninha sorriu; tinha tempo contadinho para sua vida corrida, não teria como dispor de mais tempo para horas extras, jantares profissionais ou agrados a machos. Mas sorriu. Pois percebera que o trabalho ser-lhe-ia agradável. Não precisava ninguém por ali saber do que ocorreria, seria, apenas, uma prerrogativa sua, seu deleite particular. Pitboy? Deus a livre, se soubesse. Que tudo ocorresse na sacrossanta discrição. Profissional e pessoal. Precisava daquilo. Tinha fogo na alma, lume na venta, puxou a mamãe, não caía em armadilha... sendo assim, distribua-se banana para os animais, como diria Caetano para Chiquita Bacana.


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     Depurado o coágulo que entupia as artérias do bom desempenho profissional, a sangria logrou o êxito aguardado: a pústula fora erradicada graças ao mais moderno expediente contemporâneo, as famosas canetas-espiãs dos sites de compras da NetMarket. Graças à esferográfica, Razoaldo deu um passo longo demais no convite explícito e imoral à Germaninha que, malandramente (feito a mamãe) , desviou-se da armadilha e pôs o macaco-prego no olho da rua, intimidando, assim, as outras pernas-de-calça que adoravam nivelar as teleatendentes às escarradeiras do Teatro Serrador dos áureos tempos dos espetáculos de chanchadas. Bi-bi-bi no bó-bó-bó, minúcias à parte e, numa radiosa tarde, bom mês e meio após o a defenestração, Razoaldo corria de currículo nas mãos para a entrevista, torcendo para que o fiscal da CET-Rio não o multasse por parada rápida em local proibido e eis que, na elegância (e autoridade) da farda municipal, a jovem sacou do talão e cravou-lhe cem pontos na carteira.

     Germaninha já sabia de suas chances no Teleserviço: apenas fazendo hora para aguardar a classificação na Guarda Municipal, assumia, decisiva e profissionalmente, as rédeas de seu mister, inaugurando seu talão de multas com o chauvínico ex-diretor jurídico. Precisara daquilo para não ficar sem grana até que saísse a classificação e, no fim, seria divertido para ela; afinal de contas, se nem mesmo para o Martenílson (ex-namorado inesquecível e insistente amigo de caronas mal intencionadas) ela deixaria seu amado Pitboy, por que seria para um Tio Sukita bobalhão? E graças a Deus, ninguém soube de nada, do burburinho, da denúncia velada primeiro na Justiça e depois para a sua chefe-de-setor (só assim, para ter certeza da coisa, sabe-se lá). E Pit não entenderia patavinas, acharia-a inocente e frágil às torpezas do mundo fálico, blá-blá-blá... Mamãe bem disse que seria divertido, essa passagem pelo empreguinho temporário. E viva a filha da Chiquita – que, a cada pau-brasil derribado, abre clareiras esplêndidas de respeito.

sábado, 23 de julho de 2011

J  A  D  E
     Jorge Luiz da Silva Alves




     Permita-me capturar um pouco mais de vida em seus olhos; sentir o eflúvio transbordante de liberdade nesta janela de fantasias - selvas luxuriantes, fauna sortida, mar profundo e acolhedor nas abissais colorações deste verde que mais parece um Universo flamejante em esperança, jade formidável que me guia, página por página, letra por letra, a um porto seguro que não sei onde fica, mas me torna mais confiante do que sinto quando te olho. Vim aqui capturar vida nesses olhos magníficos e apaixonantes, posso? Devo? Permita-me...?! 

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Divisor de águas

Jorge Luiz da Silva Alves






        Elaine tentou (em vão) distinguir o brilho mais intenso, aquele que faiscava violentamente nos seus olhos ressacados pela formidável surpresa: se do rubilado-trampo (era a hora do almoço), azul-felicidade (ano e meio após o reencontro no pagodão em Madureira),verde-paixão (como o enroscar faminto de quase toda semana) ou o branco-paz, aquela mesma paz que Genésio ofertava-lhe tanto em torpedos adocicados diariamente como na saborosa sessão de penetrações repetidas visceralmente tanto no corpo como na alma. O fascinante coquetel de gemas multicoloridas veio acompanhado dum Merlot aveludado e um sorriso devastador daquele clone do Jim Caviezel – ela, uma Jessica Biel de jaleco , entregue à emoção do pedido tão bem arquitetado, permitiu que uma lágrima de aceitação ferisse-lhe a cútis e revelasse todo apreço pelo amor concedido pelo destino neste recomeço – e pela juíza da 12ª Vara de Família do distrito, ao homologar o fim do seu calvário com um gaúcho insosso e grosseiro, de maus bofes e boa mãozorra canhota. Naquele momento, divisor de águas dos seus trinta e tantos anos, Elaine era a felicidade em pessoa: saltitante, feliz, mulher!


         E quem voltou para o consultório foi a mulher, e não a odontóloga de renomada verve, destaque em conferências, paradigma de correção profissional: a extrema felicidade turvou-lhe o pulso do batente... errando nas miligramas da procaína, encheu a fenda cariada dum paciente (ignotamente) hipertenso com doses acima do suportável por sua enferma constituição, levando-o a um coma...

     ...e quis o bom Deus dos Apaixonados, que o mesmo advogado que a libertara dos tabefes e prepotências do gaúcho fosse também o articulador de sua defesa no Conselho Regional de Odontologia/RJ , absolvendo-a por unanimidade. Num caso raríssimo de aceitação das provas , reforçada com a espetacular peroração do causídico habilidoso, repondo novamente nos céus outrora turbulentos de Elaine o arco-íris da felicidade que escapara-lhe desde o dia mágico do restaurante. Repondo novamente em seu dedo anelar o arco-íris de amor e cumplicidade há tanto aguardado – ele, o Doutor Genésio Frias de Queiroz e a duplamente ressucitada Elaine, num duplo divisor de águas de sua existência.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

No Balanço do Trem ( do samba)

Jorge Luiz da Silva Alves



  

  
Freud explica: a simples evocação de trens remete-me aos dourados momentos de uma época atribulada porém feliz: máquinas a diesel, puxando vagões de madeira cor de brasa subúrbio adentro, até que os primeiros e luxuriantes trechos da hévea atlântica fizessem-se vivos na força da clorofilante tonalidade de um mundo sem reservas. Mal e mal, esperávamos a estação chegar; com o reduzir da velocidade, já soltávamos, fagueiros e serelepes pelas pedras a ladear os caminhos prensados pela montanha verdejante a esparramar-se sobre as casas de veraneio...invariavelmente, alguns de nós, filhos de raiz, trazíamos adrede, os tamborins e repiques, surdos e caixas-de-guerra, para o farofear mais descontraído que a pacata Itacuruçá jamais ouvira - de Clara Guerreira à Paulinho da Viola, à bênção de Roberto Ribeiro, Mestre Marçal, Cartola e Silas de Oliveira (Pai-Nosso que estás no Olimpo dos Escolásticos, com suas maravilhas em pena e melodia) - as desornatadas ruelas dos caiçaras eram forçadas a ouvir (de tão próximas daquele mar tão verde) o brado de Momo na roda de bronzeados pela curtidora sina de plebeu festivo, versejando tudo aquilo  que cabia-lhe de direito: a cerva morna, o suor das peles, sorrisos escancarados, negras e mulatas ofertando bailados à  Iemanjá, ali tão próxima, sentindo  o aroma do frango destrinchado à mão nua e o gorgolejo do álcool e do beijo na boca lá nas águas claras, abluindo corpos e existências, em juras de amor eterno...
 

  Sigmund sabia (cara esperto!): tempo presente, subo a rolante no Metrô com a impaciência adequada a um paulistano - logo eu, carioca do Campinho! - , a fim de encontrar meus amores; estação ferroviária da Central do Brasil lotada, lá estavam ela e a bateria da Vila Isabel, a primeira a ingressar no primeiro dos quatro trens dos festejos, Dia Nacional do Samba, dia de beijo na boca, de suor, cerveja e conhaque; um sandeu empacou na bilheteria na nossa frente!, no trem, espaço exígüo, alegria sem limites: rumo à Oswaldo Cruz, versos de minha juventude eram entoados com a certeza da ressurreição, fogo de pomba espiritualmente descendo sobre nossas cabeças dentro daquela composição ferroviária, dentro de nossos corações, nós que amamos o samba mais que a própria vida - a vida, nos trens do destino, é tocada ao sabor dolente e cadenciado das marchinhas seculares de carnaval e dos vistosos sambões de competição acirrada no Sambódromo, hoje, mais do que nunca, sobre trilhos, levando-nos a uma das satrapias dos folguedos; de alguma forma, aquele austríaco barbudo, de mãe complexado, sabia de meus devaneios: meninos se amarram em trens; força, virilidade, pressa, fogo, ritmo, amor, paixão; ela sente tudo isso em mim ao desembarcar na estação onde a noite ( e o palco armado para os notáveis, os bares e as barracas abertas para repôrmos o combustível purpúreo) é somente uma criança, pouco mais que um adulto novo, que, das brumas do tempo, ressucitou na madrugada dos festejos ferroviários e, roto de farofa e areia, pôs-se a acompanhar, debalde, o rodopio da galega e dos milhares de filhos de raiz que, sob o plelilúneo, confirmavam o apostolado d'alegria; e, lá nos vagões agora vazios - não sei como nem porquê - , pude ver, nas brumas da saudade imorredoura, Clara Nunes e Cartola, Portela e Mangueira, juntos a sorrir para a plebe agradecida por tanta felicidade naquele dois de dezembro.




domingo, 3 de abril de 2011

Odores da humilhação

Jorge Luiz da Silva Alves



        



           A desgraça maior não era, apenas, a violência em si - instantes em que todo cerne de civilidade some, numa oportunidade selvagem para manifestar a morbidez duma alma opaca; nem mesmo a surpresa na descoberta do monstro que coabitava consigo e os seus pares em afeto e consideração, lobo lanado a perscrutar intimidades cordeiras... talvez não houvesse a tragédia em si mas pequenos dramas ocultados habilmente por um vampirismo inserido em palavras cuidadosas e gestos simpáticos incentivados por todos, só dando conta da coisa quando reparara num tímido exarcebar que ocorria em instantes etilicamente elegantes, o suficiente para que todos perdoassem-lho dos pecadilhos da etiqueta, num coquetel qualquer.  Não: a desgraça maior não era essa, apenas.
             Nem mesmo era a de gritar para um mundo que não a ouvia.
             Talvez porque o mundo temesse muito mais a alegria e descontração de uma mulher sem restrições, do que o ícone de barro que se aproveitara do sumiço repentino dos familiares (cada qual com suas urgências agendárias) e, num nicho da casa reservado à privacidade espiritual, estuprara não somente seu corpo mas sua quádrupla respeitabilidade: como avó , mãe, mulher e cunhada. Nem a memória do irmão morto fôra respeitada pela aberração testicular. E ela sabia que, por mais que se obtivesse provas, a reação inicial seria sempre a de descrédito por conta do estigma de Madalena. Já não bastava a mulher de César ser ou parecer honesta - teria de ser invicta. Morto César, morre a virtude de Pompéia.
             A desgraça maior era o odor da humilhação.
             Querer que a água que violentamente chicoteava-lhe a carne flagelada pela infâmia, tivesse os dons sobrenaturais da purificação - mas não tinha. Desejar que a toalha, felpuda e acolhedora do seu metro e sessenta, retirasse as crostas da ignomínia - mas não conseguia. Ansiava para que o acre sabor do hálito de Loki desaparecesse-lhe do pescoço e dos seios da Valkíria humilhada e marcada para sempre - debalde. Aquele cheiro a infernizava a alma, de tal modo, que parecia enlouquecer cada vez que voltava ao box para operar o impossível.
             Exatamente por isso, desmaiara aos pés da delegada-adjunta enquanto prestava queixa, dias depois.
            
             Porque, por mais que a justiça fosse feita, o cunhado-monstro encarcerado e tudo resolvido, a marca da besta já estava inserida em sua testa: o monstro de sete mil olhos acompanharia seus passos, onde quer que fosse, falasse com quem bem quisesse...e o odor da humilhação jamais seria removido de sua alma.
           

domingo, 13 de março de 2011

Sagitário - Contos e Crônicas

Vem aí, o segundo livro de minha autoria, SAGITÁRIO - CONTOS E CRÔNICAS.

Com apresentação da Prof. Tânia Meneses Silva e da escritora e arquiteta Vany Grizante (Recanto das Letras)








   Capa de Anderson Fabiano (o mesmo de "Viagens e Delírios")

   Aconselho reserva antecipada, pois a edição é limitada.

   O lançamento oficial será na Bienal do Livro / Rio de Janeiro, em 03 de Setembro de 2011, às 19:30 horas , Pavilhão Laranja, Estande C10 da Editora Litteris, Ltda..

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Carolina dos Países Baixos (Viva Chico)

Jorge Luiz da Silva Alves

 





     Todos viram; e mostraram-na. Exaustivamente. E em vão.
    Ainda na janela, Carolina não se apercebera da passagem do tempo. Sabem por quê? Carolina aguardava por algo mais que o tempo. e esperava, esperava, esperava. Recusou tudo e todos: sempre soube o que esperar da vida, do mundo, de Deus, dos homens, do hoje e do sempre. E esperava por algo mais do que o próprio conceito de vida e tempo. Sabem o quê?
    Ah, tá! Ok, sejamos diretos, essa pergunta se faz - desse modo chato - ao verbo, objeto direto, sei lá (quem espera, espera alguma coisa, espera o quê? Espera alguma coisa de quem... já é objeto indireto? A quem, de quem... o quê? Tá vendo a chatura?!)... O que se sabe; o que Carolina esperava na janela, talvez só Chico soubesse, ele deveria saber desde os anos de chumbo, sobre o tempo que passou na janela e só Carolina, a bela Carol, a pequenita Cacá da infância, a formosa adolescente Lininha, a viúva-nada-alegre Dona Carolina Toneleros Bráulio, Verbo Encarnado em fêmea roliça e ruiva de 1,68 mts, olhos castanhos e nariz levemente adunco, mais o quadrilzão 109 - verdadeira península sustentada por estreitíssimo istmo em forma de cinturinha-pilão - , somente ela não vira o tempo passar. Nem ao menos ouvira Chico cantar; e olha que A Banda desviara da Construção e, tão acelerada como uma Roda Viva entoara, Com Açúcar e Com Afeto, Apesar de Você...
     Apesar de tudo; quem espera, espera alguma coisa. Espera o quê? Morrer na contramão, atrapalhando o tráfego, como ocorrera com Reinaldo, há seis anos, mergulhando Carolina num desepero sem fim, ficando como quem partiu ou morreu, estancando de repente (ou foi o mundo, então, que cresceu?!)? Recordação dolorosa: ela fizera o seu doce predileto para ver se Reinaldo parasse em casa mas, qual o quê!, naquele novembro tão bonito a cidade se enfeitara para ver a banda passar - e ele não perderia aquilo por nada deste mundo, nem mesmo pelos olhos lindos e tristes de Carolina que, agora, guardavam toda a dor deste mundo. E, com Reinaldo tinha que ser agora pois, amanhã há de ser outro dia...
    "Você vai se danar, laralalaralá", cantarolava, praguejante, a roliça ruiva apaixonada, debruçada na janela e esperando que a banda tocasse para ela, somente; só assim, ele voltaria. de vez. Sabedor da ciumeira, Reinaldo tinha o esmêro em nunca sair sem antes amar sua mulher como se fosse a última. A Única. Únicos. Apaixonadamente únicos...
    Meu caro amigo, eu bem queria te dizer, mas nem mesmo eu, ou Pedro Pedreiro (o que vivia esperando o trem que já vem, que já vem...), ou o "Seu Padre" a tocar o sino, bem alto, no ritmo da festa que a banda proporcinava na praça e o Zeppelin no céu tentando focar Geni e suas alegres comadres; de Windsor à Budapeste, de norte a sul, ninguém quis bancar um estôrvo na alegria de Reinaldo, delirante, pululante, sem perceber a betoneira que já vinha, que já vinha, já vinha e o pegou em cheio - não foi na contramão, em verdade; mas atrapalhou o trânsito - Carolina, na janela, soube; não acreditou; continuou esperando o inesperado, o inevitável, o impossível, anos a fio, em morbidez completa, estoicamente...
    ...e hoje...
    ...no canto do seu quarto, a figura dela fosforece ao som de um último suspiro desesperançado, nadir da lucidez em seus olhos já míopes para a lógica terrena, muito tempo após uma roda (viva?!) carregar a esperança, a raiva da impotência; mesmo assim, essa não é uma história sem pé nem cabeça, feito aqueles filmes franceses dos sessenta, Nouvelle Vague, pois na vida real, Carolina não enlouquece: ao apagar da última luz, ainda consegue distinguir, sabe-se lá como, dois luminosos fachos de verdejante genialidade. Agora, sabemos: não é uma oração sem sujeito ou um verbo intransitivo; sabemos a resposta para o tal objeto direto, quem é quem na espera de Carol...
    Enfim, a moça sorriu, ao sair da janela: estendeu a mão rumo àquele sorriso eternamente jovial - do único que possuía as respostas para tanto tempo de inércia. Ela sorriu com o convite feito por aquela voz tão segura, de tantos festivais, sonho e fantasia, daquele iluminado e canoro sabiá:
    - Vem comigo, vem, maninha, ver os passos no porão...   

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Sacanas e sábias palavras

Jorge Luiz da Silva Alves






    


      
Palavras marotas!
          
Visto-as como se fosse domingo de missa,
         
espero que elas se comportem
          
mas, qual! As danadas aprontam
          
e me surpreendem.
          
Da vida dos outros, elas me revelam
          
e apuram, sem pudores, o escrutínio das almas.
          
Da charmosa indefinição das mulheres
           
elas me confessam: “É grupo!”
           
E das bravatas masculinas, transcritas para folha
           
desnudam-se cães
           
que só ladram e uivam
            
justamente por escassez de palavras.
            
Lutar com palavras, como diria Drummond,
            
é a luta mais vã;
             
mas, vinda a manhã, estou derrotado.
        Pois sou bom de boca p'rá beber:
                                     “Por favor, não tens aí um trago do teu imenso saber?” 
                                        Dispenso estilos, ignoro os ritmos, 
                          pois só cuido de palavras nesta creche que sejam órfãs 
                                         de pai, mãe, PALOP's ou ONG's:
                               não estou atrás das filhinhas d'Aurélio
                                      ou das sobrinhas do Pasquale Cipro Neto! 
                                     Quero frases putas, declarações vadias,
                                              pronominais porras-loucas  
                                   e as hippies fedorentas de baixo calão. 
                                        Pois delas, serão o Reino dos Céus, 
                                                  creiam-me! Ou não. 
                          Só preciso mesmo é que minhas palavrinhas gostem de mim... 
                             pois, delas, cuido com esmero e operância
                                          mesmo que, filhadaputamente, 
                                          elas me abandonem na hora 
                                                em que mais preciso: 
                          quando a cabeça de baixo e o coração de dentro 
                                              traduzem-me, impiedosamente...