sábado, 12 de fevereiro de 2011

Carolina dos Países Baixos (Viva Chico)

Jorge Luiz da Silva Alves

 





     Todos viram; e mostraram-na. Exaustivamente. E em vão.
    Ainda na janela, Carolina não se apercebera da passagem do tempo. Sabem por quê? Carolina aguardava por algo mais que o tempo. e esperava, esperava, esperava. Recusou tudo e todos: sempre soube o que esperar da vida, do mundo, de Deus, dos homens, do hoje e do sempre. E esperava por algo mais do que o próprio conceito de vida e tempo. Sabem o quê?
    Ah, tá! Ok, sejamos diretos, essa pergunta se faz - desse modo chato - ao verbo, objeto direto, sei lá (quem espera, espera alguma coisa, espera o quê? Espera alguma coisa de quem... já é objeto indireto? A quem, de quem... o quê? Tá vendo a chatura?!)... O que se sabe; o que Carolina esperava na janela, talvez só Chico soubesse, ele deveria saber desde os anos de chumbo, sobre o tempo que passou na janela e só Carolina, a bela Carol, a pequenita Cacá da infância, a formosa adolescente Lininha, a viúva-nada-alegre Dona Carolina Toneleros Bráulio, Verbo Encarnado em fêmea roliça e ruiva de 1,68 mts, olhos castanhos e nariz levemente adunco, mais o quadrilzão 109 - verdadeira península sustentada por estreitíssimo istmo em forma de cinturinha-pilão - , somente ela não vira o tempo passar. Nem ao menos ouvira Chico cantar; e olha que A Banda desviara da Construção e, tão acelerada como uma Roda Viva entoara, Com Açúcar e Com Afeto, Apesar de Você...
     Apesar de tudo; quem espera, espera alguma coisa. Espera o quê? Morrer na contramão, atrapalhando o tráfego, como ocorrera com Reinaldo, há seis anos, mergulhando Carolina num desepero sem fim, ficando como quem partiu ou morreu, estancando de repente (ou foi o mundo, então, que cresceu?!)? Recordação dolorosa: ela fizera o seu doce predileto para ver se Reinaldo parasse em casa mas, qual o quê!, naquele novembro tão bonito a cidade se enfeitara para ver a banda passar - e ele não perderia aquilo por nada deste mundo, nem mesmo pelos olhos lindos e tristes de Carolina que, agora, guardavam toda a dor deste mundo. E, com Reinaldo tinha que ser agora pois, amanhã há de ser outro dia...
    "Você vai se danar, laralalaralá", cantarolava, praguejante, a roliça ruiva apaixonada, debruçada na janela e esperando que a banda tocasse para ela, somente; só assim, ele voltaria. de vez. Sabedor da ciumeira, Reinaldo tinha o esmêro em nunca sair sem antes amar sua mulher como se fosse a última. A Única. Únicos. Apaixonadamente únicos...
    Meu caro amigo, eu bem queria te dizer, mas nem mesmo eu, ou Pedro Pedreiro (o que vivia esperando o trem que já vem, que já vem...), ou o "Seu Padre" a tocar o sino, bem alto, no ritmo da festa que a banda proporcinava na praça e o Zeppelin no céu tentando focar Geni e suas alegres comadres; de Windsor à Budapeste, de norte a sul, ninguém quis bancar um estôrvo na alegria de Reinaldo, delirante, pululante, sem perceber a betoneira que já vinha, que já vinha, já vinha e o pegou em cheio - não foi na contramão, em verdade; mas atrapalhou o trânsito - Carolina, na janela, soube; não acreditou; continuou esperando o inesperado, o inevitável, o impossível, anos a fio, em morbidez completa, estoicamente...
    ...e hoje...
    ...no canto do seu quarto, a figura dela fosforece ao som de um último suspiro desesperançado, nadir da lucidez em seus olhos já míopes para a lógica terrena, muito tempo após uma roda (viva?!) carregar a esperança, a raiva da impotência; mesmo assim, essa não é uma história sem pé nem cabeça, feito aqueles filmes franceses dos sessenta, Nouvelle Vague, pois na vida real, Carolina não enlouquece: ao apagar da última luz, ainda consegue distinguir, sabe-se lá como, dois luminosos fachos de verdejante genialidade. Agora, sabemos: não é uma oração sem sujeito ou um verbo intransitivo; sabemos a resposta para o tal objeto direto, quem é quem na espera de Carol...
    Enfim, a moça sorriu, ao sair da janela: estendeu a mão rumo àquele sorriso eternamente jovial - do único que possuía as respostas para tanto tempo de inércia. Ela sorriu com o convite feito por aquela voz tão segura, de tantos festivais, sonho e fantasia, daquele iluminado e canoro sabiá:
    - Vem comigo, vem, maninha, ver os passos no porão...