Sabadaço. Metrô, fim da linha. Passarela estreita, oscilava ante o tropel de milhares de transeuntes; sob o viaduto, a fétida presença dos virulentos excluídos; rua principal, tão obstruída quanto as artérias encolesteradas dum mórbido sedentário. Calor. Onze da manhã. Por todas as ruas, vielas, becos e praças, aquela impressão (típica dos municípios da Baixada Fluminense) de que tudo está empoeirado e barrento. lanchonetes, lojas de roupas, artigos evangélicos, hotéis, motéis, pensões, cinemas...tudo espremido e saturado, autêntico formigueiro humano, qualquer movimento mais acelerado é um suplício saturniano - trabalhoso, moroso, difícil, tenso, severo. Não há luxo ou sofisticação nesse trecho rico e pulsante das fronteiras municipais: aqui, o básico embeleza, a necessidade é status, até as conversas do povo pavunense evocam, de alguma forma, a carência e obrigação de ter, ser, e querer algo da vida e das pessoas, nada da "boemia-zona norte", "luxo-zona sul" ou "descontração-zona oeste".
Lidiane largou do trabalho cedo (milagre!); antes de apanhar a condução para casa (ela mora em Olaria), falou com um conhecido e resolveu ir até à lanchonete onde o namorado Gilmar trampeava, heróico, contra uma repentina multidão que decidira, de chôfre, encher as tripas de pastel e caldo de cana, àquela hora do dia.
Gilmar tentava o impossível: atender os inúmeros pedidos e gesticular para Lidiane, retida na entrada pelo populacho faminto. A moça até achou graça da pantomima; só não achava engraçado o Gilmar, em sete dias na semana, não conseguir um só minuto com ela por causa do emprego.
Irritada, ela gesticulava de volta.
Ele, à maneira de Chaplin, atendia, olhava para ela e meneava; moto-contínuo risível.
Lidiane terminou por rir. Melhor que arrancar os cabelos (além do quê, a chapinha custara-lhe caro!). E, em expressiva mímica labial, voz bem "p'rá dentro" o quanto possível, começou a prosaica representação, walkie-talkie humano:
- Olha-tô-indo-embora-não-me-espera...
- Heeein?! - Gilmar, bloco na mão, ia sendo, cada vez mais engolido pelo maremoto de braços e pedidos.
- Porra-eu-tô-indo-embora (Lidiane, já invocada);
- Ô Lidííí, eu quero falar... peraí, mermão!, já te atendo...Ô Lidííí...
-Fui-olha-aqui-seu-mané-o-Celsinho-do-açougue-aquele-da-caxumba-gigante-quer-sair-comigo(gesto de comer)-vou-ficar-com-ele-tem-mais-tempo-dinheiro-e-um-puta-carrão(gesto de proporções)-você-é-muito-com-pli-ca-do-fui(gesto de adeus)-te-chau!!!
E lá se foi Lidiane para Olaria, de carona com Celsinho Caxumba-Gigante, o açougueiro, para o abate de mais uma vitela largada, lá se foi Lidiane nos braços (ou patas)das saúvas humanas, num Toyota Corolla, no trânsito caótico de um bairro caótico, de um sábado abafadamente caótico, para longe de um indeciso, ocupadíssimo e atoleimado Gilmar. Lá se foi outro relacionamento na agitação frenética deste universo paralelo e diferenciado que é a Baixada Fluminense. Fim da linha.
Lidiane largou do trabalho cedo (milagre!); antes de apanhar a condução para casa (ela mora em Olaria), falou com um conhecido e resolveu ir até à lanchonete onde o namorado Gilmar trampeava, heróico, contra uma repentina multidão que decidira, de chôfre, encher as tripas de pastel e caldo de cana, àquela hora do dia.
Gilmar tentava o impossível: atender os inúmeros pedidos e gesticular para Lidiane, retida na entrada pelo populacho faminto. A moça até achou graça da pantomima; só não achava engraçado o Gilmar, em sete dias na semana, não conseguir um só minuto com ela por causa do emprego.
Irritada, ela gesticulava de volta.
Ele, à maneira de Chaplin, atendia, olhava para ela e meneava; moto-contínuo risível.
Lidiane terminou por rir. Melhor que arrancar os cabelos (além do quê, a chapinha custara-lhe caro!). E, em expressiva mímica labial, voz bem "p'rá dentro" o quanto possível, começou a prosaica representação, walkie-talkie humano:
- Olha-tô-indo-embora-não-me-espera...
- Heeein?! - Gilmar, bloco na mão, ia sendo, cada vez mais engolido pelo maremoto de braços e pedidos.
- Porra-eu-tô-indo-embora (Lidiane, já invocada);
- Ô Lidííí, eu quero falar... peraí, mermão!, já te atendo...Ô Lidííí...
-Fui-olha-aqui-seu-mané-o-Celsinho-do-açougue-aquele-da-caxumba-gigante-quer-sair-comigo(gesto de comer)-vou-ficar-com-ele-tem-mais-tempo-dinheiro-e-um-puta-carrão(gesto de proporções)-você-é-muito-com-pli-ca-do-fui(gesto de adeus)-te-chau!!!
E lá se foi Lidiane para Olaria, de carona com Celsinho Caxumba-Gigante, o açougueiro, para o abate de mais uma vitela largada, lá se foi Lidiane nos braços (ou patas)das saúvas humanas, num Toyota Corolla, no trânsito caótico de um bairro caótico, de um sábado abafadamente caótico, para longe de um indeciso, ocupadíssimo e atoleimado Gilmar. Lá se foi outro relacionamento na agitação frenética deste universo paralelo e diferenciado que é a Baixada Fluminense. Fim da linha.